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Entrevista: A extração de um dente deve ser o último recurso no espaço

O comandante da Skylab 2, Charles Conrad (à direita), submete-se a exame dentário pelo Oficial Médico da Tripulação Joseph Kerwin na Unidade Médica Skylab. (Foto: NASA)
Daniel Zimmermann, DTI

Daniel Zimmermann, DTI

ter. 14 maio 2013

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Uma escova de dente do Buzz Aldrin, tripulante do Apollo 11, foi recentemente leiloada por R$ 45,864. Mais de quarenta anos após a histórica aterrissagem na Lua, astronautas continuam a utilizar diariamente produtos de higiene bucal. Dental Tribune ONLINE falou com o ex-dentista da NASA, o Dr. Michael H. Hodapp, EUA, sobre o seu trabalho de prestador de serviços, emergências odontológicas no espaço e como manter uma boa saúde bucal nas próximas missões de longa duração ao planeta Marte.

Dental Tribune ONLINE: Dr. Hodapp, o senhor sabe quantos dentistas estão atualmente empregados pela NASA?
Dr. Michael Hodapp: Devido à recente redução de orçamento da NASA, a clínica dentária da NASA foi fechada, portanto não há dentistas contratados pela agência nesse sentido. Astronautas buscam atendimento dentário com profissionais do setor privado e são acompanhados de perto pelos físicos de voo empregados pela NASA.

Como o senhor se envolveu com a agência?
Em 1994, um dentista trabalhando para NASA informou-me que uma vaga para os cuidados dos astronautas e seus familiares estava disponível e perguntou-me se eu estava interessado. Após uma série de entrevistas, eu fui premiado com a vaga. Eu servi a NASA como prestador de serviços por mais de uma década até que voltei a trabalhar no setor privado em 2004. Entretanto, eu ainda sou chamado ocasionalmente como consultor de problemas odontológicos a bordo da Estação Espacial Internacional e futuras missões de classe exploração.

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Em geral, quão importante é a saúde bucal para os astronautas?
A saúde bucal é uma preocupação primária para os astronautas e caminha lado a lado com a saúde geral. Todos os candidatos astronautas são inicialmente triados por problemas dentários antes da seleção, e a todos os selecionados é esperado a adesão de uma meticulosa rotina de higiene bucal e que mantenham uma boa saúde bucal. O objetivo primário é a prevenção. E, ainda sim, com padrões elevados de prevenção, existe a possibilidade de emergência odontológica no espaço. Uma análise recente de todas as condições médicas determinou que uma condição que pode resultar à saída da Estação Espacial Internacional é um abscesso dentário.

O cosmonauta russo Yuri Romanenko teve que se afastar por duas semanas devido à dor de dente durante a missão Salyut 6 em 1978. Quando foram incluídas, pela primeira vez, as emergências odontológicas no protocolo de missão?
Infelizmente para Romanenko, de acordo com os relatos, os Soviéticos não possuíam um protocolo de contingência dentária naquela época. Entretanto e desde então, o programa de espaço russo tomou providências para tais emergências.

Durante o programa U.S. Mercury, os voos eram tão curtos que não havia necessidade de um protocolo de emergência odontológica a bordo e a prevenção era o foco principal. Devido ao tempo estendido no espaço durante o programa Gemini, uma escova de dente foi adicionada nos kits aéreos como medida de prevenção. As missões Apollo incorporaram pasta de dente e fio-dental digestíveis, assim como antibióticos. Instrumentos como o fórceps e materiais temporários de obturação foram incluídos quando a estação espacial Skylab foi lançada em órbita no início dos anos 70 e fazem parte do kit de emergência desde então.

Com que frequência os astronautas fazem os check-ups de pré-voo?
Uma vez aceitos os candidatos, eles fazem um exame bucal anualmente. Os astronautas são classificados em três categorias: astronautas Classe I possuem boa saúde bucal e espera-se que não precisem de tratamento dental ou reexaminação por 12 meses, astronautas Classe II possuem alguma condição bucal que se não tratada espera-se que não resultará em emergência odontológica em 12 meses e astronautas Classe III possuem uma condição bucal que se não tratada resultará em emergência nos próximos 12 meses. É esperado que todos os astronautas obtenham a classificação mínima de Classe II e apenas astronautas com classificação Classe I são considerados a irem para a Estação Espacial Internacional.

Em adição aos exames anuais, os astronautas fazem os exames de pré-voo 18 a 21 meses antes da decolagem. Durante esse exame, eles são submetidos a exames clínicos e radiológicos, incluindo as radiografias interproximais e panorâmicas. Todos os tratamentos necessários devem ser concluídos 90 dias antes da decolagem. O astronauta submete-se a um exame adicional, no período de 30 a 90 dias antes da decolagem, para rastrear alguma patologia escondida ou lesões orais recentes não declaradas. Espera-se do astronauta que ele tenha uma rotina meticulosa de higiene bucal durante o voo.

Nenhuma emergência odontológica até hoje foi reportada pela NASA. Que tipo de problema o senhor pensa que pode ocorrer?
Embora as chances de uma emergência odontológica no espaço sejam baixas, as possibilidades estão sempre presentes. No instante em que os astronautas movem grandes objetos, a inércia da massa e velocidade pode causar lesão facial e resultar numa emergência médica e/ou odontológica. Além de dente quebrado, há outras considerações incluindo luxação, tensão, rangido, dente rachado ou a fratura da cúspide ao mastigar. Mesmo com os exames bucais mais meticulosos e um programa de higiene, existe sempre a possibilidade de um abscesso dentário surgir decorrente de um trauma, cáries escondidas e falha de um tratamento de canal.

Para quais emergências odontológicas são treinados os astronautas para agirem sozinhos?
Há dois Oficiais Médicos da Tripulação a bordo em todas missões e eles são treinados para agirem a um determinado número de procedimentos dentais e médicos. A bordo, esses devem ser capazes de tratar com antibióticos e analgésicos , administrar anestesias, fazer tratamento de canal temporário, repor uma coroa com material temporário, tratar polpa exposta, e como última alternativa, extrair um dente. Qualquer tratamento de emergência inclui a comunicação com os físicos de apoio em terra, considerando que os oficiais médicos da tripulação não são físicos e sim dentistas. Entretanto, como a Estação Espacial Internacional está em órbita terrestre baixa, uma verdadeira situação de emergência resultaria no retorno à Terra para um tratamento adequado.

Futuras missões levarão astronautas a outros planetas do sistema solar, como Marte. Quais são os principais desafios que esses voos de longa duração representam para a saúde bucal?
Nós ainda não conhecemos os efeitos dos voos espaciais de longa duração nos dentes, no osso alveolar e na saúde periodontal. Está documentado que durante voos espaciais a densidade mineral óssea diminui em peso apertando os ossos. Ainda não está claro como isso afeta os dentes e o osso alveolar e se os tripulantes estarão mais suscetíveis às cáries ou à doença periodontal. Os estudos bucais da Skylab indicaram, entre os tripulantes, um aumento da produção de bactérias causadoras da cárie como a Streptococcus mutans. Concluiu-se que isso é devido à dieta desidratada consumida pelos astronautas. Esse pode ser um fator contribuinte para problemas bucais durante missões de longa duração, principalmente se um tripulante começar a falhar na higienização bucal apropriada.

Emergências odontológicas no espaço são desafiadoras. A missão a Marte requeria uma duração de voo (somente ida) de seis a nove meses. Devido ao alinhamento da Terra e Marte, a missão nominal gastaria de 30 dias a até um ano e meio na superfície marciana. Se houvesse uma emergência odontológica durante o percurso do voo, não haveria a possibilidade de retorno seguro à Terra, pois eles não dispunham de combustível suficiente para impulsioná-los. Essencialmente, todas as emergências deveriam ser executadas pelos Oficiais Médicos da Tripulação seja no voo ou no planeta com gravidade aproximada a um terço da terrestre.

No espaço, “ toda ação provoca uma reação de igual ou maior intensidade” tem um significado especial quando refere-se aos Oficiais Médicos e tripulantes em tratamento. Só o fato de aplicar uma injeção sem utilizar as técnicas apropriadas para tal pode arremessá-los (paciente e médico) para lados opostos. O luxo da gravidade não existe e um simples procedimento pode ser um grande desafio. Imagine por um instante fazer uma RCP (Ressuscitação Cardiopulmonar) sem a força da gravidade o segurando no lugar.

Trabalhar a cavidade oral representa uma grande preocupação, pois o ato de respirar não oposto à gravidade tenderia a atrair imprecisamente qualquer coisa dentro da cavidade oral para os pulmões.
Há também a preocupação das habilidades dos Oficiais Médicos da Tripulação, e do atraso de comunicação entre o suporte terrestre de 20 a 25 minutos. Em outras palavras, isso levaria 45 minutos para um físico de voo dar as instruções para o Oficial Médico. Rezas seriam feitas para o aflito tripulante.

Quais medidas estão sendo feitas para cessarem esses problemas?
Discussões recentes relacionadas às missões de classe exploração têm proposto a instrumentação para exames bucais semestrais e limpeza para cada tripulante, assim como, equipamento adicional para diagnose e tratamento de emergência odontológica. Alguns dos equipamentos considerados são o sistema de câmera intraoral de alta definição, método de detecção de cárie interproximal e infecção óssea ao limitar a radiação, e também handpiece e headlight operados por baterias.

As considerações de materiais incluem um material restaurativo intermediário de fácil uso que não requer a utilização de equipamento especial para mistura ou enrijecimento, libera fluoreto e pode durar o tempo de uma missão de classe exploração. A Marinha dos EUA está atualmente conduzindo uma pesquisa de material restaurativo para uso de campo que se ajusta a essa descrição. O ionômero de vidro também está sendo considerado, apesar de precisar de embalagem especial para permitir uma mistura manual controlada num ambiente microgravitacional.

Discussões sobre medicamentos indicaram que toda droga deveria ser de fabricação recente e requerer embalagem especial para prolongar a data de validade, especialmente se os medicamentos forem sensíveis à umidade e radiação. A consideração de software incluindo vídeos de treinamento para os tripulantes revisarem e treinarem, a fim de estarem informados durante a viagem.

O presidente Obama fala sobre o envio de humanos à Marte até 2030. O senhor acredita ser um plano realista?
O que eu sei é que não há planos definitivos de missões com homens indo à Marte num futuro próximo. Cortes recentes do orçamento da NASA diminuíram o ritmo do progresso da missão com homens ao planeta vermelho. Nosso vizinho mais próximo está sendo explorado por robôs, e ainda há muito que aprender antes de arriscarmos vidas humanas numa jornada tão distante.

Entretanto, planos e pesquisas de missões de classe exploração com homens ainda são feitos, e o projeto Orion ainda está em progresso. Há muitos obstáculos a serem superados antes de tamanha jornada ser realizada.

Atualmente, a NASA está formulando planos para uma missão de três meses para ir ao encontro de um asteróide próximo à Terra. Essa seria uma missão científica requerendo um mês de voo para o encontro com o asteróide, pesquisa conduzida e regresso à Terra.

Se a NASA lhe oferecesse a oportunidade de ir nessa missão, o senhor aceitaria?
Desde de quando eu era um pequeno olho para o céu e sou fascinado por sua beleza, e sempre sonhei em ir ao espaço. Dada a oportunidade, eu a aceitaria num piscar de olhos.

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